O board é um aliado poderoso que todo CEO deve ter na hora de inovar, principalmente no começo, quando sobram dúvidas e faltam certezas
Por Claudia Elisa Soares*
“No longo prazo, o custo de não inovar é o custo de existir ou não”.
A frase do CEO do The Bakery, Felipe Novais, dita em uma entrevista define perfeitamente o clima de ultimato com o qual as empresas estão tendo que conviver nos últimos anos, potencializado principalmente pós advento da Covid-19.
Ao que tudo indica, uma fatia expressiva das corporações estão cientes e articulam planos para não ficarem para trás.
Segundo um estudo do Boston Consulting Group (BCG) realizado no ano passado com 1.500 executivos, 75% das empresas afirmaram que a inovação está entre as três principais prioridades de suas organizações.
É uma ótima notícia!
Contudo, prioridade significa apenas colocar uma pauta estratégica na pole-position na lista de afazeres, e não que ela está solucionada. Até que a prioridade seja transformada em prática a ponto de trazer resultados, há um longo caminho pela frente.
Digo isso pois este mesmo estudo detectou que apenas 50% das empresas podem ser consideradas como “inovadoras comprometidas” (que tem estratégia desenhada, com metas, indicadores, etc) e somente 20% estão maduras para usufruir já dos resultados trazidos com a inovação.
Por que inovar é tão difícil?
Diante deste quadro, me pergunto: por que inovar ainda é tido como um obstáculo nas práticas cotidianas de boa parte das empresas? Se desde Heráclito (540 a.C. – 470 a.C) sabe-se que “nada existe de permanente a não ser a mudança”, a inovação deveria estar na essência de cada organização, não é?
Meu palpite é que falta a elas incorporar em suas estratégias a reflexão proporcionada por algumas perguntas básicas, tais como: 1) O que é inovação para nós? 2) Que tipo de inovação iremos adotar? 3) Qual o objetivo da inovação? 4) Como iremos inovar? 5) Quais indicadores serão usados? 6) Quais prazos e estrutura necessária?
Estes questionamentos (que parecem simples, mas exigem respostas complexas) geralmente são negligenciados pois, para alguns líderes, inovação se resume à adoção de novas ferramentas tecnológicas. Ou seja, para resolver algum problema basta adquirir um novo software ou app.
Ou, quando não há nada no mercado, promove-se um workshop estilo “criatividade & disrupção” com os funcionários e delega-se para estes a missão mágica de criar algo “revolucionário” que solucione todos os gargalos da empresa.
Provavelmente esses decisores nunca leram os “Dez tipos de inovação”, de Larry Keeley, presidente e co-fundador da Doblin Inc., uma das mais conhecidas empresas em estratégia de inovação, no qual ele cita uma dezena de inovações.
São elas:
1. Modelo de lucro: revisar o modelo de negócios para encontrar outras maneiras de gerar lucro;
2. Rede: encontrar novas maneiras de criar conexões que gerem mais benefícios a todo ;
3. Estrutura: mudar o modo como a empresa organiza seus ativos;
4. Processo: buscar maneiras mais simples, rápidas e sustentáveis de aumentar a produção;
5. Desempenho de produto: trazer melhorias para o produto, reforçando sua proposta de valor, seus atributos ou sua qualidade;
6. Sistema de produto: buscar maneiras de reforçar a complementaridade entre os produtos que a empresa oferece;
7. Serviços: oferecer o algo a mais que encante os clientes;
8. Canal: ampliar e otimizar a rede de distribuição de produtos;
9. Marca: reforçar o reconhecimento e admiração da marca e
10. Envolvimento do cliente: criar novas maneiras de promover o diálogo entre a empresa e os clientes
Percebe-se que inovar é algo muito mais amplo, sistemático e estruturado, que requer metodologia, estratégia, plano de execução, métricas e acompanhamento constante. E o principal: inovar não é opcional, é item obrigatório para a sobrevivência das corporações.
Que o digam Kodak, Blockbuster, PanAm, AOL, Nokia e tantas outras que foram atropeladas pelo avanço de novas formas de comportamento, consumo, valores, produção e tecnologias.
Implementando uma real cultura de inovação
David Packer, fundador da HP, disse certa vez que “o marketing era muito importante para ser deixado somente com o departamento de marketing”. Fazendo uma analogia, podemos afirmar que a inovação é muito importante para ficar restrito a um Chief Innovation Officer – se é que as empresas tem um (e sou da opinião que não devem criá-lo!).
Pois bem: inovar não cabe a nenhum setor específico. Tem que estar na cultura da empresa. Deve ser acolhida e tratada em um ambiente propício para a geração de novas ideias. Os funcionários de todos os setores e cargos devem ser estimulados a questionar paradigmas, expor seus pensamentos e propor novas soluções.
Amazon, Google, Neuralink, Zappos, Apple, Netflix, Whole Foods, Space-X e tantas outras empresas high revolution são famosas por desafiarem seus colaboradores a irem além do lugar comum. No livro “As Cartas de Bezos: 14 princípios para crescer como a Amazon”, o autor Stephen Anderson mostra como são ágeis e desburocratizadas as dinâmicas internas de geração de ideias até chegarem a Bezos.
Qualquer funcionário pode participar e tudo é devidamente pensado para que as ideias fluam com agilidade e não corram os riscos de ficarem estacionadas na caixa de entrada de algum gestor de férias.
Lógico que para isso acontecer é necessário ter um ambiente de ampla confiança, com maior tolerância ao erro, para que as pessoas se sintam mais confiantes para arriscar. Aliás, erro não: hipótese testada e não comprovada.
Em um painel sobre gestão da inovação da Harvard Business School do qual participei recentemente, disse que a cultura da inovação depende da confiança em si, nos outros, e na empresa. Pra mim, confiança tem a ver com caráter e competência.
E neste mesmo painel citei uma expedição empresarial da qual participei em Israel, onde vi que os investidores de lá costumam investir apenas em negócios de empreendedores que já tenham quebrado pelo menos uma vez.
Ou seja, o erro, quando devidamente compreendido e solucionado, traz muitas benesses ao negócio e ao seu ecossistema.
O papel do conselho na inovação
Sei, por experiência própria, que o conselho tem papel estratégico na implementação da cultura da inovação.
Tive o desafio de atuar durante um ano como membro do Comitê de Estratégia e Inovação da Tupy SA (uma fundição com mais de 80 anos, listada na B3, com atuação global), para liderar junto ao conselho de administração e apoiando o management team na organização de quais frentes seriam priorizadas, de modo a garantir uma agenda de Inovação, que trouxesse uma cultura de inovação para o dia a dia e criasse um pipeline de produtos que garantam a perenidade e sustentabilidade do negócio.
Esse foi o ponto de partida. Para implementar uma cultura de inovação ou criar produtos inovadores é necessário planejamento, paciência, disciplina de execução e de acompanhamento. Não é algo que se consegue da noite para o dia. Leva tempo.
Ter um líder engajado em promovê-la é o primeiro passo para que isso ocorra. Mas sabemos que uma andorinha só não faz verão, e certamente ele precisará de apoio e outros novos executivos que contribuam com o direcionamento de suas decisões. Foi exatamente desta maneira que conseguimos definir e avançar com as frentes de Inovação na Tupy (Tupy Up e Tupy Tech, cada uma liderada por um especialista nos temas a serem explorados).
E é aqui que também faz diferença o conselho de administração existente. O board é um aliado poderoso que todo CEO deve ter, principalmente no começo, quando sobram dúvidas e faltam certezas. Lembra daquelas perguntas do início do artigo? Pois os conselheiros certamente poderão direcioná-las ou ajudar a respondê-las.
Com base nas bagagens e conhecimento dos integrantes do board, estes conseguirão desenhar junto com o CEO o plano estratégico que contenha as definições do que é a inovação, que tipo de inovação será adotada e com qual o objetivo, como o processo será implementado, quais indicadores serão adotados, prazos, estrutura necessária, etc.
É o que eu chamo de “the problem to be solved and the job to be done”.
Em se tratando de inovação, quanto mais diverso o conselho, melhor. Membros com formações, habilidades, idades, gêneros e culturas regionais diferentes são um convite para um debate plural, com abertura ao contraditório e aprofundamento do tema. Dessa forma, cria-se um ambiente propício para responder as questões com o máximo de transparência, com todos os prós e contras.
Mas o papel do conselho não se limita a isso. Ele também deverá ser fiador do plano, dando lastro ao CEO. E por que isso é importante? Porque inovar está longe de ser uma atividade “simpática” aos olhos de muita gente.
Inovar, por mais nobre que seja seu fim, significa quebrar paradigmas. É um processo de mudança, que sempre gera alguma tensão ou resistência.
Para superar os muros de objeção é preciso ter uma estratégia à parte.
Embora o conselho não tenha o papel de executor, ele vai apoiar o executivo, apontando os melhores caminhos para demover os intransigentes e trazê-los para junto do processo, transformando-os de opositores em aliados ou, no mínimo, em elementos neutros.
Como vimos, implementar a cultura da inovação requer tempo, resiliência e estratégia, mas também senso de urgência. O mundo está em permanente mudança, e reiterando a frase que usei no início, o custo de não inovar é o custo de existir ou não.
*Claudia Elisa Soares é especialista em ESG e transformação de negócios e líderes e conselheira em companhias abertas e familiares – Tupy, Even, Grupo Cassol, Bernoulli Educação e Gouvêa Ecosystem. Em mais de 30 anos de carreira ocupou posições C-level em empresas como AMBEV, GPA, Votorantim Cimentos, Via, FNAC e EMS. Também atua como palestrante, advisor e mentora.